Somos bons em detectar mentiras na internet?

Marina Tulin estuda se somos bons e boas em reconhecer informações falsas e o quanto confiamos em conteúdo científico compartilhado em redes sociais

“Qual é o seu perfil no Facebook?”, perguntou Olivia à Emma depois de se conhecerem durante uma festa, dez anos atrás. Elas tinham em mente permanecer em contato, mas, desde então, não compartilharam mais do que alguns ‘likes’ na rede social. Bem, foi o que elas pensaram. Sem estar ciente, Emma acabou compartilhando suas próprias informações, mas também algumas das informações do Facebook de Olivia para um projeto, quando ela concordou em participar de um quiz online que era acessado através da plataforma social. Na verdade, com este quiz, Emma também compartilhou os dados do Facebook de todos os seus amigos nesta plataforma de rede social. E, como Emma, muitas outras pessoas fizeram isso. Mais tarde, uma empresa teve acesso a todos os dados e usou as informações para, primeiro, criar perfis psicológicos, e depois planejar mensagens personalizadas para cada um desses perfis para influenciar suas escolhas políticas. Esta história parece falsa ou verdadeira para você? O que você faria para verificar a veracidade?

Se você acompanhou as notícias quatro anos atrás, esta história provavelmente soou familiar para você. Caso tenha passado batido, estou falando de uma história verdadeira, o escândalo da Cambridge Analytica. Neste caso, em 2016, os dados do Facebook de 87 milhões de pessoas foram expostos por esta empresa de rede social à Cambridge Analytica, uma empresa de consultoria política, que criou conteúdo direcionado a diferentes perfis psicológicos. Todo este escândalo alimentou uma discussão a respeito da ética do uso de dados de mídia social por terceiros. Mas também deixou muito claro como era fácil divulgar conteúdo personalizado, incluindo informações falsas, nestas plataformas. Esta característica da rede social revelada pelo escândalo indignou muitos. Mas para a Dra. Marina Tulin isso acabou tornando-se uma motivação para investigar a confiança pública em conteúdo digital.

Marina é uma psicóloga social e pesquisadora alemã, que obteve seu doutorado em Sociologia pela Universidade de Amsterdã. Trabalhando como pesquisadora de pós-doutorado na Universidade Erasmus de Roterdã no projeto TRESCA, ela busca entender como as pessoas confiam nas informações que consomem, especialmente na internet. Em outras palavras, considerando a enorme quantidade de informações recebidas online, como separamos o joio do trigo? “Vemos muitas coisas na Internet e na TV, às vezes você sabe que é apenas uma história, como quando você assiste a um desenho animado ou a um filme sobre super-heróis. Você sabe que as pessoas não podem voar e que os animais não podem falar. Isto é um pouco como uma mentira, mas tudo bem porque você sabe que é apenas uma história. Outras vezes não é tão fácil entender que algo é apenas uma história”, diz Marina.

Marina falando sobre suas pesquisas no festival de contação de histórias de Amsterdã em novembro de 2021. Junto com o outro convidado, eles discutiram com o anfitrião, Sahand Sahebdivani, sobre as máscaras que usamos nas plataformas digitais

Embora a desinformação, infelizmente, exista em qualquer tipo de conteúdo, no estudo de Marina, ela se concentrou na confiança pública em histórias relacionadas à ciência, “um tópico que ganhou urgência e importância durante a pandemia do coronavírus”, acrescenta ela. “A principal questão do meu trabalho é como podemos lidar efetivamente com o atual clima de desconfiança na ciência. Tenho interesse em saber se uma melhor comunicação científica pode ajudar a reconstruir parte da confiança perdida. Embora existam boas razões para criticar as práticas científicas, especialmente quando são antiéticas ou completamente fraudulentas, há também muitos casos em que esta crítica não é bem fundamentada. Em meu trabalho procuro levar a sério as vozes críticas na sociedade e fortalecer não apenas o entusiasmo científico, mas também o ceticismo apropriado”, explica ela.

Embora existam boas razões para criticar as práticas científicas, especialmente quando são antiéticas ou completamente fraudulentas, há também muitos casos em que esta crítica não é bem fundamentada

Em seu projeto de pesquisa, Marina e seus colegas usaram um post sobre um estudo explorando o impacto negativo do uso de redes sociais em adolescentes. Com este exemplo, eles perguntaram o que faz as pessoas acreditarem no conteúdo digital e o que as motiva a verificar se o que lêem é verdade. Para estudar isto, a equipe elaborou um experimento online que imitava uma situação em que as pessoas estão apenas checando as redes sociais. Depois de receberem um post sobre os efeitos negativos do uso de redes sociais em jovens, os participantes foram então convidados a avaliar o quanto estavam dispostos a confiar nas informações que lhes eram mostradas. Mais tarde, foi-lhes perguntado se gostariam de passar alguns minutos verificando se as informações estavam corretas. A experiência foi feita por uma empresa, por uma questão de consistência, com mais de 7.000 adultos de sete países (Holanda, Alemanha, França, Itália, Espanha, Hungria e Polônia). Algumas características como idade, gênero e raça foram contabilizadas nas análises dos dados.

Os resultados ainda não foram verificados por cientistas externos à pesquisa, nem publicados em uma revista acadêmica, mas de acordo com dados preliminares analisados por Marina e seus colegas, dois terços dos participantes escolheram que gostariam de verificar de fato o conteúdo do post. “Isto sugere que as pessoas estão bastante dispostas a verificar a veracidade das informações que vêem”, diz Marina. Em geral, este resultado foi consistente nos sete países, mas houve diferenças particulares relacionadas às características dos participantes, como a idade. Atualmente, os pesquisadores estão investigando o que poderia explicar tal discrepância.

Nos bastidores do curso online do projeto TRESCA. Na foto, Jason Pridmore (coordenador do projeto TRESCA) e Marina estão se preparando para gravar os vídeos finais do curso online “Comunicando informações confiáveis no mundo digital”.

Embora a batalha contra a desinformação continue a ser difícil de vencer, estudos como o de Marina ajudam a entender o que podemos fazer a respeito disso, fornecendo estratégias baseadas em evidências. Por exemplo, a verificação de fatos requer tempo extra, o que poderia dificultar que as pessoas façam isso. Para minimizar o problema, Marina sugere que “construir ferramentas de verificação de fatos em plataformas de mídia social pode tornar esta tarefa muito mais fácil para os usuários. E, como mostra nosso estudo, a maioria dos usuários se engajariam com ferramentas de checagem de fatos incorporadas às redes sociais”. Mas mesmo que os usuários estejam dispostos a verificar os dados, isto não significa que as fontes que eles acessarão sejam confiáveis. E uma estratégia para lidar com isso poderia ser a integração de fontes confiáveis nas próprias plataformas de rede social. O que na verdade tem sido uma estratégia utilizada pelo Instagram agora durante a pandemia do corona vírus, na qual postagens relacionadas à pandemia geralmente vêm acompanhadas por um link para páginas de autoridades sanitárias.

Também é importante destacar que, embora o estudo de Marina inclua um grande número de pessoas, os participantes eram todos de países europeus, o que pode não representar necessariamente o comportamento de indivíduos de outros continentes. Além disso, as experiências foram feitas em condições controladas e, como Marina complementa, “resta mostrar se tais descobertas se generalizam ao mundo real quando os indivíduos não vêem apenas um post, mas quando são apresentados com uma abundância de informações. Será interessante ver se as pessoas também estariam tão dispostas a verificar dados na vida cotidiana”. Esperamos que mais resultados desta importante pesquisa saiam em breve.

Marina gravando um vídeo de divulgação do curso online TRESCA no corredor de seu departamento, o departamento de Mídia e Comunicação, na Universidade Erasmus

Quando não está pesquisando sobre a confiança pública na ciência, Marina também gosta de falar sobre isso. Se você estiver mais interessado ou interessada no tema, ela foi uma das instrutoras do curso online e de livre acesso “Comunicando informações confiáveis no mundo digital” (em inglês). Além disso, Marina gosta de tocar guitarra na banda pós-punk “Big Pleasure”, de treinar para sua faixa verde em Jiu Jitsu japonês, além de andar de skate.

Vamos ficar atentos para mais resultados da interessante pesquisa de Marina. Boa sorte em sua jornada, Marina! Obrigada pela sua participação! 🙂

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