Em seu doutorado, Juliana da Costa Araújo investiga se hormônios influenciam as mudanças no comportamento de uma ave sulamericana ao longo das estações.

Altas temperaturas corporais, penas, óleos e calafrios: é assim que aves que vivem em climas frios conseguem sobreviver ao inverno. Elas mantém uma temperatura corporal por volta dos 40°C. Suas penas as ajudam a conservar o calor vindo do próprio corpo, mantendo uma camada de ar morno entre si. Muitas espécies produzem um óleo para preservar suas penas e torná-las à prova d’água. Outras tem calafrios, movendo seus músculos involuntariamente para produzir calor. Apesar de todas essas adaptações, é bem difícil manter essa energia numa situação de escassez de comida, como é o inverno. Sendo assim, muitas outras espécies se adaptam a essas flutuações climáticas naturais migrando para outras regiões mais quentes.
Esse é o caso do passarinho guaracava-de-crista-branca (Elaenia chilensis). Esta espécie nativa da América do Sul viaja de norte a sul no continente em busca de condições mais favoráveis à sua sobrevivência. Quando é verão no hemisfério sul, os passarinhos habitam uma região mais ao sul do continente, sendo frequentemente encontrados no Chile (daí o nome da sua espécie) e na Argentina. Quando o clima esfria, essas aves vão em busca de temperaturas mais mornas, podendo viajar por volta de 6.000 km até encontrar o abrigo ideal no Brasil.

As guaracavas certamente percebem as mudanças no clima e na disponibilidade de comida durante as estações. Mas como será que essas informações externas são processadas pelos seus cérebros, fazendo com que elas migrem? Será que há alguma coisa que muda no cérebro desses animais que se relaciona com essas mudanças exteriores? Estas foram as perguntas iniciais que motivaram o projeto de doutorado de Juliana da Costa Araújo.
A aposta da cientista é que pelo menos uma das explicações para estas perguntas esteja nos hormônios. Estas são moléculas produzidas por células especializadas, que geralmente fazem parte de órgãos endócrinos. Quando ficam prontas, elas são liberadas no sangue a fim de mandar uma mensagem para outra parte do corpo. “É como se os hormônios estivessem em um ônibus viajando até seu local de trabalho. Quando chega no local correto, o hormônio sai do ônibus e vai realizar uma função no local que ele chegou,” explica Juliana.
“No meu caso, o local que os hormônios vão atuar, é o cérebro. Porém, para o hormônio conseguir entrar no cérebro, ele precisa provar que ele é ele mesmo e não outra [substância] estranha. Cada hormônio tem uma aparência única. É como se ele tivesse uma chave especial para entrar no local correto e começar a trabalhar, e essa chave precisa encaixar na fechadura bem direitinho. Essa fechadura é chamada de receptor e cada hormônio é identificado por esse receptor para garantir que apenas o hormônio correto vai entrar ali,” continua a cientista. E em seu trabalho, ela tenta descobrir onde e quantas fechaduras de certos tipos de hormônios estão localizadas no cérebro do passarinho guaracava-de-crista-branca. Como o estudo dela ainda está em andamento, a identidade desses hormônios ainda não pode ser divulgada.
Com sua pesquisa, Juliana quer entender se há alguma mudança nos cérebros das guaracavas de uma estação para a outra. A sua hipótese é de que os hormônios podem estar por trás das mudanças no comportamento dos passarinhos entre as estações, como a migração. E, para testar essa hipótese, ela estuda se há alguma diferença nos tipos e nas quantidades dos hormônios e seus receptores ao longo do ano: “Eu comparo esses receptores em diferentes períodos do ano (por exemplo, primavera e verão) e faço uma descrição dessas diferenças”, explica ela.

Além de analisar como as guaracavas se adaptam a oscilações ambientais normais entre as estações, estudos como os de Juliana também podem ajudar a entender como estes passarinhos são afetados pela mudança climática. Se estas aves migram por distâncias tão grandes, é de se imaginar que impactos ambientais como o aquecimento global afetem bastante seus habitats e, consequentemente, estas aves. Portanto, com o tempo, ao comparar estudos como os de Juliana com outros produzidos em diferentes períodos, pode-se ter uma idéia dos impactos destas mudanças globais de temperatura nesta espécie.
E a sua pesquisa também é bastante relevante por estudar uma espécie que não é tão comumente explorada no meio acadêmico. “A maioria dos estudos de neurociência tem sido feita em animais modelos, ou seja, poucas espécies e animais usados em cativeiro. Dessa forma, não é possível ter um entendimento do cérebro e sua evolução mais amplo e mais próximo da realidade. O estudo se torna particularmente importante para animais fora dos locais de maiores focos científicos, como América do Norte e Europa”, completa Juliana.

“A maioria dos estudos de neurociência tem sido feita em animais modelos, ou seja, poucas espécies e animais usados em cativeiro. Dessa forma, não é possível ter um entendimento do cérebro e sua evolução mais amplo e mais próximo da realidade. O estudo se torna particularmente importante para animais fora dos locais de maiores focos científicos, como América do Norte e Europa”
E assim como seu objeto de pesquisa, a cientista já se deslocou bastante em busca de diferentes oportunidades. A natalense se formou em Biologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), em Natal. Durante a graduação, ela passou um ano e meio na Universidade de Lethbridge, no Canadá, através do programa Ciências Sem Fronteiras. Depois de se formar, voltou para Lethbridge para cursar mestrado em Neurociências e fez um estágio na Universidade de Cornell, nos Estados Unidos. Hoje em dia, ela realiza seu doutorado em Biologia pelo Instituto Max Planck de Ornitologia e pela Universidade de Konstanz, ambos na Alemanha.
E no seu trabalho de doutorado não foi diferente. Para coletar amostras de guaracava-de-crista-branca, ela embarcou numa aventura em direção à Patagônia argentina. Lá, morou por cinco meses em Esquel, numa das regiões menos populosas do país. Num misto de deslumbramento, excitação e cansaço, sua rotina envolvia, entre outras coisas, abrir trilhas, coletar amostras e observar o comportamento dos passarinhos. Além da intensa carga de trabalho, muitos desafios vieram ao longo do caminho: teve incêndio florestal, faltou material para conservar as amostras, e ainda era sua primeira experiência coordenando auxiliares de pesquisa. Mas ela conta que sem a ajuda e hopsitalidade dos argentinos tudo teria sido ainda mais difícil.

Suas paixões pela aventura e pela natureza não param no trabalho. Em seu tempo de lazer, Juliana gosta de atividades ao ar livre como trilhas, kitesurf e mergulho. Quando perguntada sobre o que a inspirou a se tornar cientista, ela lembra de sua professora de biologia da oitava série, Solange: “Ela era apaixonada pela área e isso foi importante para mim.” Sendo uma pessoa bastante curiosa, a cientista acredita que sua profissão consegue estimular bastante esse seu lado: “Ter um trabalho que me permite responder dúvidas minhas é algo que me motiva muito”, explica ela.
Obrigada, Juliana, por compartilhar sua história com a gente. Que sua curiosidade, espírito aventureiro e paixão pela natureza continuem te inspirando. Você vai longe!
Você pode continuar a seguir a carreira de Juliana aqui.