Como o estresse pode levar à depressão?

Em seu doutorado, Annapoorna P. K. estuda como o estresse afeta o cérebro e como isso pode contribuir para o desenvolvimento da depressão.

No início, parecia ser um presente comum de mãe para filha. Annapoorna P. K. tinha 14 anos de idade quando sua mãe lhe deu o livro Outbreak, um romance sobre uma epidemia de Ébola nos EUA. No entanto, a leitura do livro foi uma experiência que mudou sua vida. “Meu interesse pela ciência sempre estave presente. Mas na Índia, quando você diz que gosta de Biologia, as pessoas apenas lhe dizem para estudar Medicina”. Então o livro a fez perceber que haviam alternativas para aqueles que gostavam de ciências naturais como ela. Assim, no ensino médio, após ler o livro e ter pesquisado sobre a carreira científica, ela já havia decidido que queria se tornar uma cientista.

Assim como a personagem principal de Outbreak, Dra. Marissa Blumenthal, Annapoorna inicialmente queria se tornar uma microbiologista. Para tanto, ela fez um Bacharelado e Mestrado em Biotecnologia na University of Mumbai e na University of Baroda, respectivamente. Mas com o tempo ela percebeu que se interessava mais em outra área. Em particular, uma atividade foi muito influente para decidir seus estudos futuros. “Durante meu mestrado, tivemos uma atividade de escrita de editais de financiamento e eu escolhi o tópico de inativação do cromossomo X e suscetibilidade a distúrbios mentais”. A partir desta experiência, ela sabia que queria estudar transtornos mentais com mais profundidade.

Annapoorna apresentando seu trabalho numa palestra.

Em 2017, ela iniciou seu doutorado em Ciências Biológicas, com foco em Neurociências, no Center for Cellular and Molecular Biology, em Hyderabad, Índia. Desde então, ela vem estudando os efeitos do estresse no cérebro e sua contribuição para as doenças mentais. “É de conhecimento comum que o estresse extremo pode ter sérias consequências, tanto físicas quanto psicológicas. Mas o que a maioria das pessoas não sabe é que o estresse pode realmente mudar o cérebro a nível celular e molecular”, explica a cientista.

Uma conseqüência que o estresse pode ter é o aumento da chance de desenvolver depressão. Esta doença mental é caracterizada por frequente e duradouros sentimentos de tristeza, perda de motivação e prazer, irritabilidade, mudança no sono e hábitos alimentares, entre outros. A depressão afeta atualmente mais de 260 milhões de pessoas em todo o mundo e, em casos extremos, pode levar ao suicídio. Apesar de muitos estudos importantes feitos até agora para entender este distúrbio, os cientistas ainda estão estudando o que acontece exatamente no cérebro que leva à depressão.

Fonte traduzida de: Our world in data.

E este tem sido o foco do trabalho de doutorado de Annapoorna. A cientista indiana quer entender os fatores biológicos que promovem o efeito do estresse psicológico no cérebro e como isto pode contribuir para o desenvolvimento da depressão. Ela estuda especificamente moléculas que mudam a maneira como o DNA é usado para produzir proteínas dentro de nossas células.

Vamos pensar no DNA como um livro de receitas. As células utilizam um conjunto de moléculas especializadas para ler este livro e produzir as proteínas necessárias. Mas diferentes tipos de proteínas são necessários dependendo de vários aspectos, tais como o tipo de célula, idade e estado de saúde. Portanto, algo precisa mudar a maneira como o DNA é lido nestas diferentes situações. E é aqui que os fatores epigenéticos aparecem. Eles agem como marcadores no livro de receitas, destacando as páginas que devem ser lidas para produzir as proteínas necessárias em um caso específico.

Estes marcadores de livro são sensíveis às mudanças no ambiente, incluindo o estresse. E isto pode levar à produção de um grupo completamente diferente de proteínas. Assim, o que é consumido e experimentado pelo organismo pode mudar as marcas epigenéticas ao redor do DNA e influenciar a forma como as células funcionam. Mas, como Annapoorna explica, “elas afetam nossos genes extrinsecamente, mas não mudam nada dentro do DNA”. Com isto em mente, a pesquisadora e seus colegas de trabalho estudam como um conjunto de moléculas que atuam editando estes marcadores epigenéticos é afetado no estresse e na depressão. “Meus colegas e eu trabalhamos com estes fatores que são modulados em resposta ao estresse e contribuem para o desenvolvimento da depressão. Como eles podem afetar vários genes, eles causam muitas mudanças nos neurônios e, em última instância, no cérebro”.

Annapoorna em um dia de trabalho no laboratório.

Annapoorna trabalha particularmente com um tipo de proteína que edita os marcadores epigenéticos no DNA, a histona lisina desmetilase. “Estamos tentando entender os fatores que funcionam no nível micro, dentro dos neurônios. Como não é possível usar técnicas invasivas para estudar o cérebro de humanos, fazemos uso de modelos de camundongos. Simulamos a depressão em camundongos usando paradigmas de estresse e testes comportamentais. Em seguida, analisamos regiões específicas do cérebro que são conhecidas por estarem envolvidas em depressão”. Uma das áreas do cérebro que estão relacionadas à depressão foi previamente estudada em seu laboratório. Este trabalho investigou os níveis das proteínas de edição epigenética em uma região relacionada ao sistema de recompensa do cérebro, o núcleo accumbens. Os resultados sugerem que estas moléculas podem estar associadas à depressão induzida pelo estresse em camundongos. Agora, em seu próprio projeto, Annapoorna se concentra em outra região cerebral, envolvida na memória e na regulação emocional, o hipocampo. Como seu trabalho ainda não foi publicado, seus resultados não podem ser compartilhados no momento. No entanto, a pesquisadora encontrou dados preliminares promissores, e esperamos poder ter acesso a eles em breve.

Além da ciência, em seu tempo livre, Annapoorna gosta de dançar, cantar e escrever, tanto histórias científicas (você pode encontrar os links para os seus artigos abaixo) quanto poemas. Ela também é engajada politicamente e advoga pela saúde mental, pela igualdade de gênero e pelos direitos LGBTQ+, especialmente no meio acadêmico. Vale ressaltar que ela também faz parte de uma iniciativa para divulgar o trabalho de neurocientistas indianas, o NeuroFemIndia.

Muito obrigada, Annapoorna, por compartilhar sua história conosco. Longa vida ao seu grande trabalho de desvendar as bases neurobiológicas da depressão. Assim como ao seu importante trabalho em tornar a academia um ambiente mais justo e mais sensível.

Você pode acompanhar a carreira de Annapoorna aqui e aqui.

Artigos de comunicação científica de Annapoorna (em inglês):

One Brain, Many Moods: How does it all Happen?

What Lies Ahead for Indian Researchers Post COVID-19?

IndiaBioscience blog

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