Em seu doutorado, Violeta Heras estudou os mecanismos biológicos por trás da ligação entre a puberdade precoce e a obesidade infantil em ratas fêmeas.

Os animais sempre fascinaram Violeta Heras. Quando criança, ela começou a se perguntar “como eles interagem com o ambiente?”, “como eles se adaptam às diferentes condições?”. Mais tarde, prestes a decidir o que estudar na universidade, este fascínio inicial voltou a surgir. Mas ela reconheceu que o que lhe interessava não era a parte macroscópica dos animais. O mundo microscópico, ou seja, as células e moléculas dentro dos animais, era o que mais lhe interessava. Ela decidiu então estudar Biotecnologia e Biologia Molecular. Durante seus estudos de bacharelado, ela teve a oportunidade de fazer um intercâmbio acadêmico na Bélgica. Lá ela trabalhou pela primeira vez em um laboratório. Esta experiência a fez perceber que ela gostava de fazer ciência. E após outro estágio em laboratório durante seu mestrado, a decisão de fazer um doutorado em Biomedicina veio naturalmente.
Em seu doutorado na Universidade de Córdoba, na Espanha, a cientista se especializou no campo da neuroendocrinologia. Este ramo da biologia estuda como o cérebro influencia a ação dos hormônios em todo o corpo. Um exemplo disso é como a puberdade e a maturidade sexual são controladas nos mamíferos. Durante este tempo, o cérebro aumenta a produção de um hormônio chamado hormônio liberador de gonadotropina (GnRH, do inglês Gonadotropin-releasing hormone). Este hormônio atua em uma glândula localizada na base do cérebro, a hipófise. Os hormônios produzidos por esta estrutura levam os ovários nas meninas e os testículos nos meninos a produzir hormônios esteróides: estrogênio e progesterona, e testosterona, respectivamente. Estes, por sua vez, induzem à maturação sexual. Tal processo é afetado por estímulos externos. Um exemplo disso é o que se come e o impacto disso sobre o metabolismo. “É bem estabelecido que a ativação puberal do eixo reprodutivo e a manutenção da fertilidade dependem criticamente do estado metabólico do organismo”, explica Violeta.

Em média, a puberdade acontece entre 8 e 13 anos de idade em meninas, e 9 e 14 anos em meninos. Sinais de maturidade sexual, por exemplo, pêlos pubianos, desenvolvimento das mamas e dos genitais, que ocorrem antes dos 8 anos de idade em meninas e 9 em meninos, caem na definição de puberdade precoce. E esta situação está se tornando cada vez mais comum. Por exemplo, comparando dados de 1977 até 2013, um estudo observou que meninas começaram a desenvolver tecido mamário, um sinal de puberdade, um ano antes em 2013, em comparação com os anos 70. Mas por que isto está acontecendo? Por que as crianças estão se tornando biologicamente adultas mais cedo?

A literatura científica tem apontado a obesidade como uma das causas que contribuem para isso. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), em 1975, menos de 1% das crianças e adolescentes entre 5 e 19 anos de idade eram obesos. Em 2016, 6% das meninas e 8% dos meninos foram diagnosticados com a condição. E ambos os problemas, obesidade infantil e puberdade precoce estão associados a problemas de saúde mais tarde na vida. “A crescente prevalência da obesidade infantil aparece em paralelo com alterações no início da puberdade, também ligada a consequências deletérias em nossa saúde, tais como problemas cardiovasculares, câncer ou risco fisiológico mais tarde na vida”, explica Violeta. Assim, estudar como a puberdade precoce e a obesidade infantil se relacionam é uma questão de saúde pública jovem e adulta.

Uma maneira de estudar esta associação é fazer experimentos de laboratório com modelos de roedores que imitam a obesidade. Tanto roedores quanto humanos compartilham regiões cerebrais e hormônios que regulam a alimentação e o metabolismo. E, de fato, a obesidade se correlaciona com a puberdade avançada não apenas em humanos, mas também em roedores de laboratório. A pesquisa animal, no entanto, tem a vantagem de realizar experimentos invasivos que não seriam possíveis em humanos. Além disso, permite um melhor controle de diferentes parâmetros que influenciam os resultados. Assim, usando ratos como seu modelo animal, Violeta estudou o que poderia explicar a relação entre a obesidade infantil e a puberdade precoce.
Como mencionado anteriormente, a puberdade é regulada por hormônios produzidos pelo cérebro e por diferentes glândulas. Mas a cientista espanhola estava interessado em um tipo alternativo de molécula que não havia sido explorado antes: as ceramidas. Em resumo, as ceramidas são moléculas lipídicas presentes em todo o corpo. Elas estão envolvidas em muitos processos biológicos, funcionando como um sinal de uma célula para outra. Quando ela começou seu projeto, Violeta já sabia que as ceramidas poderiam funcionar no controle do equilíbrio energético. Naquela época, relatórios recentes sugeriam que as ceramidas poderiam interferir com a atuação dos hormônios envolvidos com o metabolismo. Além disso, foram observados níveis aumentados de ceramidas após alimentação excessiva. Mas todas estes dados vem apenas de roedores adultos. Quais são os níveis de ceramidas em animais mais jovens? Eles também se correlacionam com a obesidade/alimentação excessiva? Será que interferem com a puberdade? Estas foram as questões que o estudo de Violeta abordou.
Para responder a estas perguntas, primeiro, Violeta e suas colegas alimentaram ratos fêmeas com uma dieta rica em gordura, o que os tornou obesos com o tempo. Os pesquisadores começaram a procurar sinais de maturação sexual antes e durante a esperada puberdade. Uma vez atingida a puberdade, eles também mediram as quantidades de ceramidas em uma região cerebral chamada hipotálamo. Mais especificamente, o núcleo paraventricular do hipotálamo (PVN), que está relacionado com o controle da alimentação e também tem uma conexão com os ovários. “Como esperávamos, a maioria dos animais que se alimentaram excessivamente apresentaram uma puberdade avançada. É importante ressaltar que quando analisamos os níveis hipotalâmicos de ceramidas nestes animais, observamos um aumento significativo na concentração de ceramidas totais”, diz Violeta. Assim, como observado em adultos por outros estudos, as quantidades de ceramidas se correlacionaram com a obesidade na puberdade também. Além disso, a alimentação excessiva se correlacionou com um início precoce da puberdade.
Mas o que acontece se as ceramidas são aumentadas ou diminuídas no cérebro, sem alimentar os ratos em excesso? Elas também afetam o início da puberdade? Para responder a isso, a equipe injetou duas drogas no cérebro, uma de cada vez. Uma delas aumentou os níveis de ceramidas, a outra diminuiu. Curiosamente, o aumento das quantidades de ceramidas se correlacionaram com os primeiros sinais de puberdade. Mas isto não afetou o peso corporal. Em contraste, a diminuição dos níveis de ceramidas levou a um atraso significativo no início da puberdade, sem alterar o peso corporal. Portanto, parece que as ceramidas por si só podem afetar a puberdade, mas provavelmente não são a causa da obesidade. Em vez disso, os resultados sugerem que o aumento nas quantidades de ceramidas é uma conseqüência da obesidade. E como tal, elas poderiam levar à puberdade precoce.
Então, como exatamente as ceramidas afetam a puberdade? Elas afetam os hormônios ou outras moléculas que regulam a puberdade? Esta foi a próxima pergunta deles. Para isso, eles se concentraram em uma das pequenas proteínas que induzem o início da puberdade, a kisspeptina. Usando aquela mesma droga que diminuiu os níveis de ceramida, junto com a kisspeptina, eles viram um atraso no início da puberdade. É como se sem ceramidas a kisspeptina não pudesse agir como de costume (iniciando a puberdade). O que sugere uma interação entre as ceramidas e a kisspeptina. O mesmo efeito da droga bloqueadora da ceramida não foi observado em outros hormônios da puberdade. Violeta e seus colegas apostaram então que as ceramidas, possivelmente com a kisspeptina, agem através de um caminho alternativo.
E, de acordo com seus resultados, eles provavelmente apostaram certo. Como mencionado anteriormente, os hormônios são críticos para o controle da maturação sexual. Mas, pelo menos nas fêmeas, os hormônios podem não ser os únicos que afetam a produção de esteróides pelos ovários durante a puberdade. O sistema nervoso simpático, a parte do sistema nervoso que regula as respostas fisiológicas automáticas, também pode desempenhar um papel. Para resumir uma longa história, neste caso, não hormônios, mas outro tipo de molécula é a responsável: o neurotransmissor norepinefrina. “Determinamos os níveis de norepinefrina e um de seus metabólitos […] como marcadores para a atividade simpática em ratas jovens obesas e magras […]. Em acordo com nossa hipótese, os níveis de norepinefrina e seu metabólito estavam significativamente aumentados […] nos ovários de ratas [jovens e obesas] […] em comparação com o grupo controle”, explica Violeta. Além disso, quando a droga redutora de ceramida foi usada, os níveis ovarianos de norepinefrina em fêmeas jovens obesas voltaram parcialmente ao normal. Assim, estes resultados podem sugerir que as ceramidas podem influenciar os ovários através da ativação simpática. Mas o estudo não mediu a atividade neuronal simpática em si. Tampouco avaliou a inervação simpática dos ovários. Portanto, mais estudos são necessários para estabelecer esta associação.
Portanto, com base no artigo publicado no ano passado por Violeta e seus colegas, as ceramidas produzidas pelo PVN do hipotálamo podem ser um dos elos que ligam a obesidade juvenil e a puberdade precoce em ratas fêmeas. E que as ceramidas possivelmente fazem isso através de interações com um ativador da puberdade, a kisspeptina, e com o sistema nervoso simpático. O estudo, entretanto, foi realizado principalmente em fêmeas, portanto o efeito das ceramidas em machos deve ser avaliado no futuro para verificar se as descobertas se aplicam a ambos os sexos. Também são necessários mais estudos para entender se os resultados obtidos em ratos podem ser extrapolados para humanos.
Dada a crescente preocupação com a obesidade infantil e a puberdade precoce, e seu impacto mais tarde na saúde, estudos como o de Violeta são muito importantes hoje em dia. Antes de mais nada, precisamos entender o que está acontecendo no corpo, para depois encontrar soluções preventivas ou terapêuticas para estas questões. “Este papel central das ceramidas e seu caminho alternativo poderia explicar diferentes formas de puberdade precoce na obesidade infantil não associadas a altos níveis de gonadotropinas. Nossos resultados podem ajudar a definir melhores estratégias para o manejo de distúrbios de puberdade associados a doenças metabólicas, especificamente em meninas”, completa Violeta. Assim, esperamos que mais e mais estudos como o dela ajudem a entender todas as variáveis que regulam a puberdade e a se tornar um adulto.
Hoje em dia, Violeta é pesquisadora de pós-doutorado na Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha. E ela estuda o papel de um tipo de célula presente no hipotálamo, chamado tanicitos, em distúrbios metabólicos e neurodegenerativos. Além da ciência, em seu tempo livre, Violeta adora passar tempo com seus amigos, cozinhar, assistir filmes e viajar pelo mundo.
Muito obrigada, Violeta, por compartilhar um pouco de sua história e de seu trabalho. Muito sucesso em sua carreira e que você continue com seu bom trabalho!