Quais são as bases do comportamento agressivo?

Em seu doutorado, Sabrina van Heukelum estuda as diferenças biológicas por trás da agressão patológica e saudável.

Ser cientista nem sempre foi o objetivo de Sabrina van Heukelum. Quando ela começou seu bacharelado em Psicologia na Holanda, ela queria trabalhar na parte clínica. Mas uma aula foi decisiva para que ela mudasse de idéia. “Na minha primeira aula sobre o cérebro (sobre plasticidade [cerebral]), eu fiquei fascinada! Fiquei tão curiosa sobre como o cérebro funciona e [sobre] patologias cerebrais que soube que tinha que mudar meus planos e me tornar uma pesquisadora”. Depois disso, ela optou por um mestrado científico, em vez de um clínico. E desde 2016, ela é doutoranda em Neurociências noDonders Institute for Brain, Cognition, and Behaviour, na Holanda.

A idéia inicial para seu projeto de doutorado também veio de uma aula. Enquanto a professora explicava casos patológicos de agressão em crianças, ela começou a se perguntar o que exatamente aconteceu em seus cérebros que os influenciam a ser assim. Isto a motivou a escrever seu projeto para investigar a base biológica da agressão. Após inscrever a idéia deste projeto em uma competição em seu instituto, ela ganhou o financiamento para bancar seus estudos de doutorado. Ela pode, finalmente, iniciar suas pesquisas sobre possíveis causas neurobiológicas da agressão.

A agressão é caracterizada como comportamento hostil ou violento, no qual um indivíduo ataca outro. Tal comportamento, presente em diferentes espécies animais, é importante para a sobrevivência. Ela pode ajudar a garantir territórios, recursos, status e/ou parceiros de acasalamento. Mas, para qualquer espécie, há um limite saudável. “Durante nossa vida, a maioria de nós terá enfrentado, testemunhado ou mesmo cometido pelo menos um ato violento e agressivo. (…) Enquanto em certas situações a agressão cumpre uma função adaptativa, ela pode rapidamente se transformar em comportamento patológico, e mecanismos de controle são necessários para evitar isso. Especialmente para nós humanos em nosso mundo moderno, há apenas alguns poucos casos em que a agressão é um comportamento adaptativo. Como tal, a agressão é a quarta principal causa de morte entre pessoas de 15 a 29 anos apenas na Europa”.

Como consequência da agressão patológica, indivíduos e sociedades pagam, literalmente, um alto custo. Um estudo estimou as despesas relacionadas à violência em 14,76 trilhões de dólares em 2017 (ou 12,4% do produto interno bruto (PIB) global). Estas incluem despesas militares e de segurança, assim como custos relacionados a lesões físicas, problemas de saúde mental, danos materiais e encarceramento. “As vítimas de agressões não sofrem apenas os danos físicos e/ou emocionais imediatos e agudos. Elas também lidam frequentemente com problemas de saúde física e/ou mental de longo prazo. (…) Sendo assim, estudos que mostram os mecanismos que controlam comportamentos agressivos são necessários para criar tratamentos para os indivíduos afetados”.

Como mencionado anteriormente, a agressão está presente em muitas outras espécies, não apenas nos seres humanos. Além disso, diferentes espécies de mamíferos têm regiões cerebrais comuns envolvidas na regulação de atos agressivos. Uma dessas espécies é o camundongo. Normalmente, seu comportamento agressivo consiste em balançar a cauda ou dar mordidas em partes robustas do corpo, como as costas. Mas há uma linhagem de camundongos que é naturalmente mais agressiva. Este grupo é chamado de BALB/cJ, e estes animais frequentemente mordem outros camundongos em lugares mais vulneráveis, como o pescoço, o rosto e a barriga. “Os camundongos da linhagem BALB/cJ mostram agressão patológica. Eles quebram todas as regras de luta no reino animal: atacam animais mais jovens e mais fracos, não param quando o outro animal mostra comportamento submisso, e atacam partes sensíveis do corpo como a barriga e o pescoço, partes do corpo onde uma mordida pode ser potencialmente letal”, explica Sabrina.

Curiosamente, um grupo “irmão” desta linhagem, o BALB/CByJ, não é considerado patologicamente agressivo. É mais coming que eles demonstrem os comportamentos agressivos naturais de balançar a cauda e morder partes robustas do corpo. E são exatamente as diferenças entre as linhagens de camundongos não agressiva e agressiva que intrigaram Sabrina e seus colegas.

Para estudar isto, eles se concentraram em uma região cerebral previamente relacionada ao controle da agressão, o córtex cingulado anterior (ACC). Esta área está presente no córtex frontal e é parte de uma rede neural envolvida na regulação emocional. A primeira pergunta do grupo se referia à estrutura do ACC. Comparando o ACC de camundongos agressivos e não agressivos, há mudanças no número de neurônios? A resposta é intrigante. Apesar de observar um volume maior no ACC de camundongos agressivos, eles viram uma diminuição no número de neurônios. Então, há outros tipos de células que contribuem para o aumento do volume? Com base em seus resultados, a resposta provavelmente vem de outro grupo de células cerebrais: as células gliais. “O número total de neurônios no córtex cingulado foi drasticamente reduzido nos camundongos agressivos. Em contraste com a diminuição do número de neurônios, vimos um aumento no número de glia”, diz Sabrina.

Esquema mostrando em vermelho claro a localização do córtex cingulado anterior (ACC) no cérebro de diferentes espécies. Abreviações: ACC, córtex cingulado anterior; Cg1, área cingulada 1; Cg2, área cingulada 2; IL, córtex infralímbico; MCC, córtex cingulado medial; PL, córtex prélímbico. Fonte: van Heukelum et al, 2020.

Mas a diminuição ou aumento do número de células interfere com a função do ACC? Para responder a isto, Sabrina e seus colegas realizaram um teste comportamental chamado residente-intruso. Neste teste, um camundongo é colocado na gaiola de outro camundongo e os pesquisadores medem como os dois animais interagem. Após este teste, a equipe mediu a atividade dos neurônios investigando um gene que é expresso sempre que um neurônio está ativo. Como resultado, os cientistas viram que os neurônios do ACC de camundongos agressivos eram menos ativos que os não agressivos. “Verificamos então a atividade do córtex cingulado e vimos que os camundongos agressivos falharam em ativar seu córtex cingulado durante as lutas. O nível de atividade deste córtex era muito menor do que nos camundongos não agressivos.”

Então, as mudanças no número de células vem acompanhadas de uma menor ativação dos neurônios do ACC em camundongos agressivos. O que acontece então se os neurônios do ACC forem ativados? Os animais se tornam menos agressivos? Este foi o próximo passo da pesquisa. “Naquele momento, nos perguntamos se poderíamos parar o comportamento agressivo se aumentássemos artificialmente a atividade do córtex cingulado. Fizemos isso com uma abordagem chamada quimiogenética (também conhecida como DREADDs), onde você injecta um vetor viral na região cerebral de interesse. Este vetor contém um receptor que será expresso nos neurônios excitatórios e ativado ao se injetar uma determinada droga. O receptor que usamos nos permitiu aumentar a atividade do córtex cingulado e quando o fizemos os camundongos reduziram muito sua agressão. Especialmente as mordidas em lugares vulneráveis, como a barriga e o pescoço, tornaram-se quase ausentes. Assim, a simples ativação do córtex cingulado ajudou esses camundongos a recuperar o controle sobre sua agressividade e a avaliar melhor a situação”.

O estudo publicado este ano foi uma grande contribuição para esclarecer melhor o papel do ACC no controle da agressão. Mas é importante destacar que estas experiências foram realizadas apenas em camundongos machos. Estudos em fêmeas, assim como em outras espécies, inclusive humanas, são necessários para fortalecer a relação entre o ACC e o controle da agressão. Além disso, o ACC não é a única área do cérebro relacionada à regulação da agressão. “Nós só examinamos uma parte específica do córtex cingulado, o córtex cingulado anterior. Não se sabe como uma parte vizinha, o córtex cingulado médio, afeta o comportamento agressivo. Da mesma forma, não está claro se todos os tipos de neurônios são afetados ou se apenas uma determinada população está morrendo”, explica Sabrina. Finalmente, ainda está em aberto quando exatamente todas as mudanças observadas por Sabrina e seu grupo começam a acontecer no cérebro. “Quando isso acontece? Quando os camundongos ainda são muito jovens? Se sim, é possível evitar a morte dos neurônios e prevenir um comportamento agressivo?” Perguntas interessantes a serem respondidas no futuro.

Quando perguntada sobre suas referências, Sabrina destaca a importância de ter recebido apoio de seus orientadores de doutorado. “Minhas principais referências são dois de meus orientadores, a Dra. Martha N. Havenith e o Dr. Arthur S. C. França. Eles me ensinaram muito sobre ciência, mas também sobre acreditar em mim mesma”. Sempre posso ir até eles com perguntas, tanto científicas quanto pessoais. Eles abriram o caminho para que eu me desenvolvesse como cientista”. Além disso, ela mencionou que discussões com seus colegas, revisão da literatura e assistir a palestras científicas ajudam a aumentar sua criatividade. “Eu também descobri que novas idéias fluem melhor quando se tem uma caneta e papel por perto e um bom pedaço de bolo caseiro”.

Quando não está no laboratório, Sabrina gosta de passar tempo com seu cachorro e sua família, especialmente durante os tempos de pandemia. Ela também gosta de ler, assistir séries e jogar com amigos. “Em tempos mais normais, gosto de organizar noites de jogos com amigos; seja em jogos de tabuleiro ou de cartas, sou um pouco competitiva”.

Muito obrigado, Sabrina, por compartilhar seu trabalho e um pouco de sua história. Muito sucesso em sua carreira!

Você pode acompanhar novidades da carreira de Sabrina aqui.

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