É melhor tomar antibiótico do que não fazer nada?

Em seu doutorado, Roberto Rubem Silva-Brandão estuda como e quando antibióticos são prescritos por profissionais de saúde; e como a prescrição e uso inadequados destes medicamentos podem levar à sua ineficácia.

Não é preciso que esteja analisando dados ou participando de uma discussão científica para que Roberto Rubem Silva-Brandão aja como cientista. Ser pesquisador é seu estilo de vida. Seja lendo um jornal pela manhã, andando pela cidade ou escutando música, sua sede pelo conhecimento está sempre lhe guiando pelo mundo. E tudo isso, em suas palavras, “é combustível de vida” para ele. Sendo assim, com esta mentalidade investigadora e também interdisciplinar, ele tem, desde sua graduação em Nutrição, feito conexões entre diferentes áreas para entender as complexidades de ser humano em sociedade.

Após uma segunda graduação em Ciências Sociais, hoje Rubem aplica seus interesses em saúde e sociedade em seu doutorado em Saúde Pública pela Universidade de São Paulo (USP). Em seu estudo, ele investiga como e quando antibióticos são prescritos por profissionais de saúde e como a prescrição e uso inadequados destes medicamentos podem levar à sua ineficácia. Ele explica: “[Eu] estudo como alguns remédios feitos para matar bactérias podem parar de funcionar por mau uso. Para entender isso, converso com médicos e outras pessoas que trabalham na área da saúde.”

Antibióticos são medicamentos que destroem bactérias e, portanto, somente devem ser receitados e utilizados quando temos uma infecção bacteriana. Quando tomamos tal medicamento, o tratamento funciona como uma luta entre o antibiótico e as bactérias. Os antibióticos foram desenvolvidos para  ganhar este embate e isso até funcionou por um bom tempo. Mas desde 1945, o descobridor da penicilina, Alexander Fleming, já alertava que o uso inadequado de antibióticos poderia levar a um grande problema: a resistência antibacteriana. Isto ocorre quando bactérias são capazes de sobreviver a um tratamento com um antibiótico. Neste cenário, alterações naturais e aleatórias no código genético das bactérias as tornaram resistentes a este medicamento. Como consequência, tal antibiótico é ineficaz contra estas bactérias e a pessoa infectada que tomar este medicamento continuará infectada, sem ser tratada. Além disso, ainda há o risco desta pessoa transmitir a outras pessoas. E pior é que essa situação tem se tornado cada vez mais comum: diferentes tipos de bactérias tem se tornando resistentes a diversos tipos de antibióticos. Ou seja, resumindo, o uso indiscriminado de antibióticos pode acabar levando a infecções que são muito difíceis de tratar ou até mesmo incuráveis.

Adaptado e traduzido de Center for Disease Control and Prevention

Mas não bastaria só desenvolver novos antibióticos? Infelizmente não. Lembra que foi mencionado acima que há alterações naturais e aleatórias que ocorrem no código genético das bactérias? Bem, estas alterações, as mutações, vão continuar a ocorrer, independente de novos antibióticos serem desenvolvidos. Portanto, as bactérias vão continuar tentando se esquivar de antibióticos. Mas, então, o que é possível fazer para diminuir este problema?

Uma solução é o uso adequado destes medicamentos. Entre outras palavras, tomar o medicamento somente quando houver uma infecção causada por bactéria, o que deve ser diagnosticado por um(a) profissional de saúde com auxílio de testes de laboratório. Além disso, antibióticos não devem ser utilizados para prevenir uma infecção. Eles devem ser usados somente quando a infecção já houver iniciado. E, por fim, deve-se tomar estes medicamentos somente durante um tempo limitado, que é indicado pelo profissional de saúde. Apesar de parecer simples, na prática, a situação pode ser bem complicada. Tanto do lado do(a) profissional que prescreve o antibiótico, quanto do(a) paciente que precisa tomá-lo. Mas por quê?

Esta é a pergunta que Rubem está investigando em seu doutorado. “[A] gente ainda não sabe tudo o que influencia o uso errado de alguns remédios (tanto por profissionais de saúde quanto por pacientes), e assim não conseguimos resolver o problema. Esse trabalho é muito importante porque não há nenhum estudo no Brasil que procurou compreender, com um olhar qualitativo e contextual, a prescrição de antibióticos na atenção básica (sobretudo nas UBSs). Todos os estudos no Brasil ocorreram em hospitais e ambulatórios ou foram muito “quantitativos”, ou seja, procuraram compreender as quantidades de remédios prescritos, mas não se perguntaram as condições e os problemas que influenciam essas prescrições e o consumo inadequado desses remédios.” 

Segundo o nutricionista, “na atenção básica a prescrição inadequada de antibióticos pode representar até 70% dos casos de falha de ação de antibióticos, o que indica que estamos criando “superbactérias” incuráveis, que podem levar à morte. Se mantivermos esse ritmo, em 2050 há expectativas que as pessoas morrerão mais de resistência antimicrobiana do que de câncer. O meu estudo procura ajudar a compreender esse problema no cerne da prescrição para, numa fase posterior, implementar medidas e políticas para evitar que essa catástrofe aconteça.”

Este é, inclusive, um problema ainda mais atual no contexto da pandemia da COVID-19. Apesar de ser causada por um vírus, o antibiótico Azitromicina foi recomendado pelo governo brasileiro e incluído no chamado “kit covid”. Estudos mostraram que o tratamento com este medicamento não fez nenhuma diferença na recuperação dos pacientes. Ainda assim, o governo continua reforçando o seu uso, junto a outros medicamentos ineficazes. Além de gastar dinheiro público à toa, o uso da Azitromicina neste contexto contribui para o agravamento da resistência antibacteriana. Portanto, estudos como os de Rubem, que buscam entender onde está o problema do uso inadequado de antibióticos – se na prescrição, no uso ou em ambos -, são fundamentais para que tenhamos um tratamento mais adequado. Isso não é só melhor para o paciente em si, mas também para a comunidade no geral, já que poderia evitar a proliferação de superbactérias.

Para realizar seu projeto, o cientista paulista trabalha com uma equipe de vários pesquisadores. “Cada um foca em partes diferentes do projeto. Por exemplo, tenho uma colega que trabalha com as políticas públicas envolvidas em dar respostas ao problema, outro colega entrevista os usuários em suas casas no Campo Limpo, na periferia de São Paulo. Temos encontros virtuais diários, com discussão, análise de dados, leituras de artigos científicos e trabalhamos muito na escrita dos resultados. Tudo isso é feito online, porque nossos professores estão divididos entre universidades do Brasil e da Dinamarca.” Os primeiros frutos desta pesquisa serão publicados em breve.

Além de suas atividades no doutorado, Rubem também dá aulas e atende pacientes como nutricionista. Nas horas vagas, ele gosta de ouvir música, ler, caminhar pela cidade sem rumo e viajar. A paixão por explorar o novo, portanto, tem norteado sua vida pessoal e sua carreira: “Esse é o lugar da paixão, uma mistura entre si e o desejo, ou seja, o que se gosta de fazer é, na verdade, uma grande parte de você mesmo.”

Muito obrigada, Rubem, por compartilhar sua história e sua pesquisa. Que sua paixão pelo conhecimento continue te guiando à vida intensa que você merece e deseja.

Acompanhe mais sobre a carreira dele aqui.


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