Conheça Thaiana Marcelino, uma cientista brasileira que estudou em seu mestrado como melhorar a reabilitação após um AVC. Além de sua dedicação em promover um melhor cuidado em saúde, ela se interessa por vegetarianismo e fazer animações.

Desde o ensino médio, Thaiana Marcelino Lima já se via como profissional de saúde. Numa roda de conversa sobre profissões desta área realizada por sua escola, a fisioterapia surgiu como uma ótima opção. Desde então, ela vem se preocupando em promover o melhor tratamento possível para os pacientes. A faculdade de fisioterapia a fez enxergar os pacientes além da doença, levando em consideração o lado humano e o seu contexto. A graduação e, mais tarde, o mestrado, lhe possibilitaram ter contato com a investigação científica. A pesquisa, então, lhe conquistou: ela se viu tendo a chance de “assumir o papel de quem enxerga um problema e testa soluções”, conta ela. Seu lado resolutivo podia, portanto, ser aplicado na pesquisa pela melhoria na atenção e tratamento clínicos.
Na graduação, a fisioterapeuta trabalhou em dois projetos que mais tarde viriam a definir seu foco de pesquisa no mestrado. Tudo iniciou-se com um projeto com crianças com paralisia cerebral. Em seguida, veio um projeto com adultos neurologicamente acometidos. Estas experiências a fizeram interessar-se pela área da fisioterapia que foca na recuperação de doenças neurológicas que afetam os movimentos, a fisioterapia neurológica. E aí que, no mestrado, quando seu orientador lhe sugeriu trabalhar em um projeto com pacientes acometidos pelo acidente vascular cerebral (AVC), foi fácil decidir aceitar a proposta. Em seu mestrado em Ciências da Saúde e Biológicas pela Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF), ela, então, estudou como melhorar o tratamento de pacientes que sofreram AVC.
Basicamente, o AVC é a deterioração ou morte de células cerebrais devido ao bloqueio ou ruptura de uma artéria do cérebro. Para que as células cerebrais funcionem bem, elas precisam de oxigênio e glicose, que chegam ao cérebro através das artérias cerebrais. Se o fluxo sanguíneo em uma destas artérias é, de alguma forma, interrompido, a área cerebral que é alimentada por esta artéria corre o risco de sofrer um AVC. Só que diferentes partes do nosso cérebro são mais dedicadas a funções específicas. Por exemplo, há determinadas áreas que são mais responsáveis pelo controle do movimento dos músculos dos membros, outras mais relacionadas à fala, e assim por diante. Então dependendo da área onde o AVC ocorrer, tal função regulada por aquela região cerebral pode ficar acometida. Portanto, se o AVC ocorrer na região que coordena os músculos dos membros de um dos lados do corpo, após o acidente, “algumas pessoas podem ter dificuldade de alcançar e pegar objetos, caminhar e até mesmo realizar atividades de cuidado pessoal como fechar os botões da blusa”, explica Thaiana.

Segundo a organização mundial de saúde (OMS), o AVC é considerado a segunda maior causa de morte e terceira causa de incapacidade no mundo todo. Além disso, 70% dos AVCs e 87% das mortes decorrentes do AVC ocorrem em países de rendas baixa ou média, tornando-o não só um problema de saúde pública mundial, mas também de desigualdade social. “O AVC é uma das condições que mais acometem pessoas, sendo responsável por uma alta taxa de mortalidade e vida com incapacidade para os sobreviventes, afetando a saúde, as relações sociais e a condição econômica da população”, clarifica Thaiana.

O tratamento do AVC ocorre geralmente em duas fases. A primeira tem o objetivo de diminuir a extensão dos danos causados pelo acidente vascular. Esta fase ocorre através de medicamentos ou, em alguns casos, de cirurgia, e deve ser feita num hospital assim que o acidente ocorrer. No entanto, o AVC pode ter um efeito muito comprometedor em um tipo de célula cerebral, os neurônios. E o problema é que tal tipo de célula cerebral não se regenera. E se estas células de uma determinada área morrerem, as funções desempenhadas por estas regiões serão muito provavelmente prejudicadas. Portanto, na segunda fase do tratamento, a de reabilitação, diferentes terapias, como fisioterapêuticas ou fonoaudiológicas, são aplicadas para ajudar a restaurar as funções perdidas. E quanto mais cedo forem aplicadas, melhor para o paciente.
Comumente, as sequelas de um AVC são tratadas com métodos mais convencionais, como a fisioterapia manual ou cinesioterapia, que é o conjunto de exercícios terapêuticos que auxiliam na recuperação por fortalecer e alongar os músculos. Porém, muitas vezes, a recuperação dos pacientes não é tão eficaz e há a necessidade de adicionar outras terapias no processo. É aí que entra o projeto de mestrado de Thaiana. Em sua pesquisa, ela investiga a aplicação de uma técnica chamada estimulação transcraniana com corrente contínua (ETCC) em conjunto com o treino físico.
Geralmente quando um AVC ocorre, a lesão leva ao dano celular em um dos lados do cérebro. Sendo assim, há uma hipótese, sustentada por diferentes evidências científicas, de que isso acaba gerando um desequilíbrio de ativação e inibição entre um hemisfério cerebral, onde a lesão do AVC ocorreu, e o outro. Neste contexto, a ETCC, técnica usada por Thaiana em seu projeto, tem como finalidade restaurar o equilíbrio entre os dois lados cerebrais. Em tal terapia, dois eletrodos são posicionados na cabeça do indivíduo. Através de uma corrente elétrica de intensidade muito baixa, os eletrodos contribuem para a estimulação da área cerebral afetada. Um dos eletrodos é chamado anodo e o outro catodo. Em seu projeto, Thaiana utilizou a seguinte configuração: “o anodo é aplicado no lado da lesão cerebral para estimular regiões próximas a lesão e favorecer o melhor desempenho em atividades com o lado acometido. O catodo é aplicado no hemisfério contralateral (oposto) para inibir as relações de dominância que o hemisfério sadio normalmente exerce sobre o lado lesionado.”

Mas como é que a ETCC poderia ajudar na recuperação do AVC? Thaiana baseou seu estudo na hipótese de que esta técnica ajudaria a reorganizar o cérebro e, como consequência, remodular a atividade cerebral. Tal processo é referido como neuroplasticidade. “Nesse processo, a área cerebral que sofreu a lesão circulatória passa por uma série de “reparos teciduais” em áreas próximas à lesão para diminuir ou amenizar as sequelas da lesão. Não sendo possível recuperar em totalidade o tecido lesionado, a neuroplasticidade dá ao cérebro a oportunidade de se adaptar para manter, mesmo com limitações, às funções que são importantes como o movimento de membros do corpo. Estudos apontam que a ETCC é uma ferramenta promotora da neuroplasticidade, podendo estimular essa adaptação cerebral. O que isso pode representar? [Uma] melhora dos movimentos e funções anteriormente prejudicados pela lesão, como poder caminhar, conseguir pegar objetos com a mão comprometida, conseguir alimentar-se sozinho, entre outros possíveis ganhos.”
A ETCC já vem sendo testada em pacientes com AVC, mas ainda não é uma prática terapêutica comum. Apesar da técnica ter o potencial de tratar a doença vascular, “as evidências [em relação aos mecanismos de ação da ETCC] são limitadas, considerando-se as pequenas amostras e a metodologia dos estudos. Para o ETCC se consolidar como uma prática na recuperação funcional para população com AVC é necessário que estudos, principalmente, ensaios clínicos controlados, cegos [onde o paciente não sabe se está recebendo um estímulo verdadeiro ou falso], sejam conduzidos para testificar se a intervenção tem potencial benéfico”, explica Thaiana. Por causa disso, ela completa: “[os] conselhos profissionais e guidelines [diretrizes] de organizações nacionais e internacionais têm sido cautelosos em propor a intervenção como um possível caminho terapêutico.”
É preciso salientar que muitos dos estudos que dão suporte às hipóteses de que a ETCC afeta a neuroplasticidade e de que ela poderia ajudar na recuperação de pacientes com AVC foram realizados com um baixo número de participantes. Portanto, mais estudos como os de Thaiana, que investigam o efeito da ETCC no cérebro em si, mas também como usar a técnica para tratar doenças como o AVC são muito importantes. No entanto, por tratar-se de uma técnica promissora, barata e não-invasiva (que não requer cirurgia ou incisão na pele, e não há contato com mucosa ou cavidade corporal interna), a terapia oferece qualidades muito vantajosas que poderiam ajudar a tratar o AVC. Ainda mais em um contexto onde o acidente é mais comum em países com rendas baixa ou média.
Os resultados da pesquisa da natural de Caucaia-CE ainda não foram publicados, então ainda não é possível compartilhá-los por aqui. Porém, já foram submetidos a uma revista científica. Portanto, esperamos ouvir falar sobre eles num futuro breve. Além das atividades acadêmicas, ela tem se dedicado a testar novas receitas vegetarianas e a aprender a fazer animações. “Futuramente espero utilizar essa ferramenta para comunicar minhas atividades acadêmicas para o público em geral.”
Quando perguntada sobre quem são suas referências, Thaiana menciona uma forte presença feminina em sua carreira. “Professoras como Raimunda Hermelinda, Renata Jucá e Lidiane Lima me instigaram a enxergar o cuidado em saúde e a tomada de decisão clínica sob uma perspectiva científica e individualizada. Na pós graduação, sem dúvidas, minha co-orientadora Ivani Brys foi minha referência. Com ela tive a oportunidade de desenvolver minhas habilidades sobre metodologia científica e aprender sobre o mundo da neurociência”, conta ela.
Muito obrigada, Thaiana, por compartilhar sua história e sua pesquisa! Esperamos que você continue a corrente, inspirando não só outras meninas e mulheres, mas todos, com sua dedicação ao cuidado ao outro baseado em evidências científicas.
Acompanhe a carreira de Thaiana aqui.