Conheça Júlio Terra, cientista mineiro que estuda em seu doutorado como tornar processos químicos mais sustentáveis. Além de ciência, ele ama ensinar, cantar e tocar violão.

Júlio Terra sempre gostou de ensinar. Quando era adolescente, ele ensinou sua avó, a qual não foi alfabetizada quando criança, a ler e escrever. No Ensino Médio, ele criou um grupo de reforço para ajudar seus colegas de classe durante as semanas de provas. Durante sua graduação em Química, na Universidade Federal de Lavras (UFLA), ele se voluntariou como professor de Química na organização não-governamental CEDET. Nesta instituição, ele conheceu Aline Tirelli, então doutoranda, que o convidou a trabalhar com ela num laboratório como aluno de iniciação científica, que é o equivalente a um estágio. “[Eu] percebi que tinha aptidão para ser cientista: eu gostava de trabalhar no laboratório, planejar experimentos, descobrir os problemas, (…), analisar resultados, apresentar trabalhos, etc. Também descobri que eu poderia seguir carreira acadêmica e unir meu interesse pela pesquisa e minha paixão por ensinar”, ele conta.
O laboratório da UFLA, onde Júlio fez o estágio, investigava maneiras de tornar processos químicos mais sustentáveis. O mineiro se viu, então, diante de uma área em que podia unir seus interesses por Química e meio ambiente, e ainda de quebra poder aplicar isso em ensino e pesquisa. Foi o início de um novo fascínio: a Química Verde.
Durante a revolução industrial, lá no século XVIII, quando as indústrias passaram a produzir em larga escala, pouco se sabia sobre poluição e sobre as consequências disso. Hoje em dia, no entanto, apesar de estarmos mais do que cientes da poluição e de outros danos ambientais causados pela industrialização, as fábricas continuam não sendo sustentáveis. “As fábricas produzem tudo o que a gente precisa(…). O problema é que elas geram muita poluição, gastam muita energia e muitas vezes o lixo que elas produzem é perigoso para a nossa saúde, dos animais e das plantas.” Além disso, “vários elementos químicos que são cruciais para a indústria vão desaparecer da superfície da Terra se não os utilizarmos com mais cuidado”, completa ele. Portanto, “o papel da Química Verde é levantar essas discussões e mostrar concretamente como a química pode fazer essa transição.”
E como é que a Química Verde funciona na prática? Em resumo, esta área da Química estuda como poluir menos, gastar menos energia e tornar a produção industrial mais eficiente. Mas como é que ela faz isso? Há diversas maneiras. Por exemplo, usar formas alternativas de energia, utilizar matéria-prima renovável, substituir reagentes tóxicos, entre outros. Outra maneira é adicionar substâncias que tornam as reações químicas mais rápidas, chamadas de catalisadores. Este é o objeto de estudo de Júlio em seu doutorado em Química na Universidade McGuill, no Canadá.

“Cerca de 90% dos processos na indústria química acontecem com catalisadores, que são substâncias que são adicionadas em pequena quantidade em uma reação química e não são consumidas, mas mudam completamente a reação. Pensa em cruzar o Brasil de norte a sul de carro ou de trem-bala. O trem te leva no mesmo destino, mas por outro caminho. Ele vai mais rápido e consome menos energia. Colocar um catalisador na reação é como colocar os reagentes num trem (trem-bala mesmo, não trem de mineiro): eles criam uma outra rota para a reação acontecer e formam os produtos com mais rapidez e consumindo menos energia”, ele clarifica.
Como catalisadores, o doutorando usa materiais extremamente pequenos, um milhão de vezes menores que a espessura de um fio de cabelo, chamados de nanopartículas. Mas o que é exatamente que o cientista faz com essas partículas? “O que eu faço é usar nanomateriais como catalisadores (…). Eu consigo mudar a composição dessas nanopartículas, ajustar a forma delas e fazer poros de tamanhos diferentes. Como essas partículas são bem pequenas, eu consigo dispersar elas nos líquidos para fazer minhas reações. Como elas são sólidas, consigo separar elas do líquido e usar de novo em outras reações.”

Em um de seus projetos, Júlio estudou como melhorar a produção de um medicamento para a doença de Parkinson. Este medicamento já existia, mas ainda há a necessidade de tornar a sua produção mais eficiente. E daí que em 2019, o cientista e seus colegas publicaram um artigo mostrando uma maneira de resolver esse problema, fazendo com que a reação química fosse mais rápida. Neste estudo, eles usaram quantidades ínfimas de cobre, que age como um catalisador, a fim de tornar a produção desse medicamento mais rápida. Tais quantidades, dentro dos limites de agências reguladoras, foram inseridas dentro de nanomateriais que possuem poros igualmente pequenos, chamados de nanoporos. Neste espaço confinado, é onde acredita-se que a reação acontece. “Os poros também ajudaram a reação a acontecer mais rápido, já que o poro é apertadinho, então os reagentes se encontram e reagem mais facilmente. Imagina você precisando encontrar seu amigo na praia ou em uma sala pequena fechada: na salinha vocês vão se encontrar muito mais rápido”, esclaresce o pesquisador.
Em outro projeto, Júlio aplicou os conhecimentos da Química Verde à indústria de cosméticos. Muito usada nesta indústria, a fragrância de rosas pode ser produzida a partir de um óleo extraído de outra planta, a citronela. Aplicando os princípios da catálise, o cientista e seus colegas pesquisaram como tornar a produção desta fragrância mais rápida e sustentável usando um metal precioso e luz de LED. O metal utilizado foi o rutênio, usado como catalisador. E a energia da luz serviu para acelerar a reação. Só que o rutênio é um material raro, então é preciso que seja usado em quantidades muito pequenas. Daí que em 2020, os pesquisadores publicaram um artigo com uma solução. Eles desenvolveram nanopartículas magnéticas, onde puderam colocar quantidades muito pequenas de rutênio, “assim eu podia recuperar elas com um ímã e usar de novo”. Como resultado, o rutênio pôde ser usado em quantidades baixas e também ser reutilizado depois.
Estudos como os de Júlio mostram que é possível tornar a produção industrial mais barata e ecológica em longo prazo. Eles demonstram maneiras de tornar as reações químicas mais eficientes. Eles propõem utilizar outros materiais menos poluentes. E, também, descrevem jeitos de reutilizar reagentes extraídos da natureza que são finitos. Portanto, estudos como os dele são importantes para demonstrar, que há alternativas, sim, à industria química convencional, desde a matéria-prima utilizada à finalização do produto.
Vale salientar, no entanto, que ambos os projetos de Júlio foram realizados em escala de laboratório de pesquisa, ou seja, produzindo miligramas de produto. A produção industrial em larga escala é outra história, já que o objetivo é produzir quilos ou toneladas. E a adaptação da produção laboratorial pra industrial “geralmente não é linear, então eu não posso só multiplicar todas as quantidades e transformar os processos em larga escala”, explica ele. Este, na verdade, é o trabalho da engenharia química. “A importância dos nossos projetos é realmente desenvolver os primeiros conceitos”, conta ele.
E aí você pode estar se perguntando: porque esses conceitos da Química Verde não são aplicados nas fábricas com mais frequência? Afinal, eles preconizam menos danos aos seres vivos e ao meio ambiente, além de tornar os processos industriais mais eficientes. Bem, os motivos vão além dos objetivos deste artigo, mas eles envolvem falta de vontade política e de comprometimento das indústrias. Porém outra razão, mencionada por Júlio, é a falta de ensino de empreendedorismo para cientistas como ele. “Muitas vezes essas mudanças que nós propomos precisam de mudança de infra-estrutura de alguma maneira, então [requerem] um investimento grande. [Para mudar] precisamos de muita experiência e conhecimento de mercado pra convencer investidores. O benefício ambiental é óbvio, mas o financeiro nem sempre. Nós (cientistas) não sabemos muito como essa transição funciona e os investidores precisam de garantias de retorno funanceiro. No fim das contas, a minha impressão é que não falamos a mesma língua.”
Mesmo assim, a motivação de Júlio “é realmente espalhar as ideias da Química Verde com ensino e pesquisa”. Ele conta que nos últimos anos sua referência científica tem sido “a professora Frances Arnold, que ganhou o Nobel de Química em 2018 pelo trabalho dela em “Evolução Direcionada.” Eu fui em uma palestra dela em um congresso em 2019 e nunca tinha ouvido ninguém falar de química com tanta paixão e tanto poder de discurso. Ela falou muito sobre como a pesquisa dela é inspirada pela química da natureza e eu adoro essa ideia. (…) Acho muito legal usar a Natureza como inspiração, já que ela já vinha fazendo química há milhões de anos antes de a gente existir.” Uma outra referência vem de sua mãe, que “é uma cozinheira de mão cheia (como boa mãe mineira) e muito experimental: ela experimenta e cria muitas receitas! E quando dá errado, ela sempre sabe a química certa pra corrigir as receitas! No fim das contas, como químico, me vejo sempre “criando receitas” no laboratório para fazer minhas nanopartículas, então talvez tenha herdado essa experimentação da minha mãe.”
Longe de seus experimentos, Júlio adora tocar violão, cantar e cozinhar. “Eu adoro gravar vídeos cantando e tocando violão e mandar de presente para a minha família em datas especiais. Eu participo também de um coro brasileiro em Montreal (Choeur Scénique Brésilien), que é uma reconexão maravilhosa pra mim com o Brasil e com a música, que é tão forte nas minhas origens. Eu também adoro cozinhar e descobrir receitas novas, principalmente depois da pandemia quando comecei a passar mais tempo em casa.”
Muito obrigada, Júlio, por compartilhar sua história! Que você continue espalhando as ideias da Química Verde mundo afora e trazendo sua paixão às salas de aula. E que a Química Verde, seja cada vez mais prática do que teoria.
Conheça mais sobre a rotina de Júlio aqui e aqui.
Reblogged this on duduxa1960.
LikeLike